Do escuro então lhe passou pela pele, de raspão, algo como uma palavra remota.
Júlio Castañon Guimarães
A verdade em pintura
Rastreando os pintores que informaram Martinho de Haro na realização do quadro acima chegamos a Chardin que afirmava que o pintor devia manter certo afastamento de seu modelo. Uma aproximação implicaria em se perder da pintura na medida em que se prenderia aos detalhes do modelo observado. Assim a pintura tornar-se-ia somente representação. Por meio de um afastamento demasiado o pintor se perderia tanto do modelo como da pintura, ou daquilo que Cézanne tanto se empenhou, da verdade em pintura ou, resumindo, contando-se Leonardo: “Arte é coisa mental.”
No quadro abaixo de Chardin podemos observar como a representação de umas garrafas no primeiro plano permite que a pintura se realize além da representação. Basta olharmos com atenção como Chardin trata a saia da empregada. Não é uma representação. Vemos pinceladas verticais. Bem diverso do que realizavam seus contemporâneos, que mais se importavam em mostrar todo um virtuosismo na representação de panejamentos com seus plissados, jogos de luz e sombra etc. O mesmo podemos notar no pão acima da cômoda. Nele, mal percebemos a mão de empregada. Percebemos pinceladas estruturando um fato pictórico, cores sutis, rompimentos de tons, etc. Tudo se resolve de um modo bem simples, ou, seja não percebemos, na primeira olhada, tantos níveis de tratamento, vale dizer, tudo se configura com uma como uma coisa única quando percebemos o rosto da modelo.
No quadro abaixo de Chardin podemos observar como a representação de umas garrafas no primeiro plano permite que a pintura se realize além da representação. Basta olharmos com atenção como Chardin trata a saia da empregada. Não é uma representação. Vemos pinceladas verticais. Bem diverso do que realizavam seus contemporâneos, que mais se importavam em mostrar todo um virtuosismo na representação de panejamentos com seus plissados, jogos de luz e sombra etc. O mesmo podemos notar no pão acima da cômoda. Nele, mal percebemos a mão de empregada. Percebemos pinceladas estruturando um fato pictórico, cores sutis, rompimentos de tons, etc. Tudo se resolve de um modo bem simples, ou, seja não percebemos, na primeira olhada, tantos níveis de tratamento, vale dizer, tudo se configura com uma como uma coisa única quando percebemos o rosto da modelo.
Na paisagem de Florianópolis pintada por Martinho de Haro podemos observar que no canto inferior à direita há um esboço de um barco. Este permite um serpenteamento que anima todo espaço. Nesse sentido obedece às observações de Leonardo nas quais adverte que o pintor tem que evitar a morte da pintura por uma segunda vez. No Tratado da Pintura está dito que o pintor ao transpor para a tela coisas vivas da natureza mata-as pela primeira vez, pois que no quadro não é mais essa natureza. Penso que é buscando a verdade em pintura que o pintor evita uma segunda morte. Podemos lembrar também de Poussin que se refere a um olhra pelo simples aspecto e um olhar prospectivo no qual se considera as diversas distância não em termos mensuráveis e absolutos, mas elaborados no cérebro. Há mais nessa paisagem: o tratamento plástico do céu, um prenúncio de uma tempestade, em contraste com a tranqüilidade que se apreende no tratamento do mar. E entre os dois, o cromatismo sutil dos casarios. No prédio à esquerda, em um de seus lados, uma vigorosa pincelada clara denuncia a pintura, ou melhor, é pintura não como representação, mas como fato pictural, como preconizava Braque. Neste caso podemos nos referir, fenomenologicamente, no aparecimento do quadro e até mesmo conssiderando-se ‘as distâncias em proximidade’. Outras pinceladas nos beirais dos telhados dos outros prédios têm o mesmo efeito.
Pessoalmente, lamento que esse pintor catarinense, um mestre, esteja tão mal avaliado dentro da história das artes plásticas brasileiras. Afinal tem sua trajetória. Participou do salão de arte moderna ocorrido em 1930, orientou Pancetti e tem uma vasta obra. O que tentamos mostrar nessas rápidas notas é que Martinho de Haro continua vivo. Se analisarmos o quadro com mais profundidade entraremos nas questões poéticas. Vale, então, citarmos um trecho do livro de Gaston Bachelard, A Poética do Espaço.
“Admitindo uma imagem poética nova, experimentamos seu valor de intersubjetividade. Sabemos que repetiremos para comunicar nosso entusiasmo. Considerada na transmissão de uma alma para outra, vê-se que uma imagem poética escapa às pesquisas de causalidade. As doutrinas timidamente causais como a Psicologia ou fortemente causais como a Psicanálise quase não determinam a ontologia do poético: nada prepara a imagem poética, nem a cultura, no modo literário, nem a percepção, no modo psicológico.” A poética seria, assim, um ato de criação, que não se aprisiona totalmente nos moldes da cultura e da psicanálise.
Um quadro da poetisa Elaine Pauvolid, intitulado Estamos todos aqui, cuja imagem abaixo reproduzimos, pode bem nos ajudar ao que estamos aqui tentando expor. Uma pintura viva, vigorosa, e basta olharmos a coruja pintada para notarmos que é por ela que a pintura não morre por uma segunda vez A coruja parece ser o ponto de partida, de onde se move todo o quadro: ela não é mera representação e, no entanto, remete à coruja, está viva por meio das cores e estas vão além da representação junto com as pinceladas.
Pessoalmente, lamento que esse pintor catarinense, um mestre, esteja tão mal avaliado dentro da história das artes plásticas brasileiras. Afinal tem sua trajetória. Participou do salão de arte moderna ocorrido em 1930, orientou Pancetti e tem uma vasta obra. O que tentamos mostrar nessas rápidas notas é que Martinho de Haro continua vivo. Se analisarmos o quadro com mais profundidade entraremos nas questões poéticas. Vale, então, citarmos um trecho do livro de Gaston Bachelard, A Poética do Espaço.
“Admitindo uma imagem poética nova, experimentamos seu valor de intersubjetividade. Sabemos que repetiremos para comunicar nosso entusiasmo. Considerada na transmissão de uma alma para outra, vê-se que uma imagem poética escapa às pesquisas de causalidade. As doutrinas timidamente causais como a Psicologia ou fortemente causais como a Psicanálise quase não determinam a ontologia do poético: nada prepara a imagem poética, nem a cultura, no modo literário, nem a percepção, no modo psicológico.” A poética seria, assim, um ato de criação, que não se aprisiona totalmente nos moldes da cultura e da psicanálise.
Um quadro da poetisa Elaine Pauvolid, intitulado Estamos todos aqui, cuja imagem abaixo reproduzimos, pode bem nos ajudar ao que estamos aqui tentando expor. Uma pintura viva, vigorosa, e basta olharmos a coruja pintada para notarmos que é por ela que a pintura não morre por uma segunda vez A coruja parece ser o ponto de partida, de onde se move todo o quadro: ela não é mera representação e, no entanto, remete à coruja, está viva por meio das cores e estas vão além da representação junto com as pinceladas.
Elaine Pauvolid – Coleção da autora
José Maria Dias da Cruz
Florianópolis, setembro de 2009