Trata-se do serpenteamento vinciano, e dos espaços exclusivo e inclusivo. Ilustrara-se com imagens de Michel Ângelo, Cézanne, Hélio Oiticica e José Maria Dias da Cruz.
Renato Velasco
Como vc está? Por aqui com alguns probleminhas destes que sempre
atravessam nossas vidas e que logo passará. O importante é que apesar de
tudo continuo criativo, com muitos projetos e acreditando que posso
deixar algum material para que depois possa ser estudado, já que na
minha obra procuro fugir dos dogmas que são criados, que como diz
Gauguin, desorientam não somente os artistas, mas o público em geral.
Certamente devo ter cometido muitos equívocos, mas no geral não creio
que esses desmereçam o que tentei mostrar. Digo tudo isso, pois vi em
seu trabalho muita coerência, muitas potencialidades que certamente
serão aprofundadas na medida em que vc for amadurecendo, - sim, a
pintura, e por extensão as artes plásticas, é realmente bastante
complexa. Percebe-se um grafismo em seus últimos trabalhos e vejo aí a
necessidade de um aprofundamento dessa questão que é bem instigante.
Afinal ainda podemos pensar na questão da linha nas artes plásticas.
Cézanne afirmou que ela não existe na natureza, o que existe é uma
relação de tons, ou claros ou escuros e pelas tramas que vc constrói
pode ir bem longe nessas discussões. E certamente aprofundar aquilo que
Leonardo afirmou sobre a pintura linear ao introduzir o conceito de
serpenteamento. Aqui entra um dos dogmas que são criados não sei bem
como, mas está dito em todas as histórias das artes que Leonardo
introduziu o esfumato na pintura. Para mim esfumato é um procedimento e
não uma questão teórica. Já o limite dos corpos, limites estes que
Leonardo diz que serpenteiam é bem mias complexo, e creio que pode ser
estendido para todo o espaço plástico em substituição à linha a qual
Cézanne afirma que não existe. Substitui-se, assim, a linha por esse
serpenteamento, que é bem mais do que dar um traço com volteios. Por
enquanto não estou afirmando nada, mas expondo minhas dúvidas,
resultantes de minhas observações e que me impulsionam para novos
estudos. Sobre essas dúvidas creio que ficam mais bem expostas no meu
livro sobre o cromatismo cezanneano. Só estou te escrevendo para te
mostrar, se é que consigo apontar para caminhos que vc poderá
desenvolver.
E há mais ainda. Atualmente está me assaltando a idéia do que pode ser
nas artes plásticas um espaço plástico exclusivo ou inclusivo. Ou um ou
outro ou a convivência dos dois. Explico-me. Por exemplo, a estátua do
David de Michel Ângelo se fosse transportada para a floresta amazônica
iria nos forçar a abrir uma grande clareira, pois é uma obra que exige
um espaço exclusivo apesar dele considerar o conceito de no finito, ou
seja, não há um limite absoluto. Uma mosca que pousasse na estátua já
seria uma interferência que ela recusaria. Já as montanhas de Santa
Vitória de Cézanne têm um espaço mais inclusivo, pois nela se manifesta o
cinza sempiterno que segundo o mestre só ele se manifesta também em
toda a natureza. Os relevos de Hélio Oiticica também criam um espaço
inclusivo e isto afirmo em meu livro sobre o cromatismo de Cézanne.
Creio que seu trabalho também pode se encaminhar para esse problema.
Abç
JM
David de
Michel Ângelo
Maria-sem-vergonha
– José Maria Dias da Cuz
Montanha de Santa Vitória – Cézanne
Relevo –
Hélio Oiticica